Seguidores

sexta-feira, 27 de abril de 2012

O gigante da floresta

Será que algum de vocês já acordou com aquela sensação de que as coisas mudariam em sua vida e que de alguma maneira você se tornaria alguém diferente, verdadeiramente especial? Esse dia amanheceu assim...
Ouvia diversas vozes ao meu redor, por séculos estive neste ponto da mata e nunca percebi tamanho alvoroço por estas bandas. Eram sons totalmente distintos dos que costumávamos ouvir. Não se ouviam os pássaros, o vento tocando a copa das árvores ou o movimento dos animais que ali habitavam. Quão barulhentas eram aquelas máquinas que os homens trouxeram consigo. Dentre elas se destacava uma de som incomodativo, que quando funcionava precedia a um grande estrondo e tremores pelo solo...
Sentia em minhas entranhas o pavor de ser vítima daquela máquina. De repente, fui amarrada por diversas cordas, como se pudesse fugir de meu destino... Os homens gritavam uns com os outros, havia um certo desespero em seus atos... Senti algo me ferir no tronco, de um lado e de outro, eram várias maquinazinhas me cortando, separando-me em dois ou três partes diferentes, senti tudo ao meu redor oscilar, minha seiva escorria caule abaixo, minhas raízes se enrijeceram, um grande solavanco me desequilibrou e parte de mim despencou na clareira, logo em seguida o restante de mim sucumbiu e despenquei no chão. 
Os homens passaram a cortar meus galhos, sentia-me nua sem minha folhagem. Aquilo foi muito pior do que qualquer ação da natureza que eu já passara, afinal nenhuma seca ou enchente fizera de mim apenas uma tora de madeira...
Fui içada pelo ar e depositada na carroceria de um imenso caminhão, dali em diante percorri caminhos tortuosos, com imensos atoleiros, fugíamos das estradas principais, nos camuflávamos entre outras árvores que ainda estavam em pé. Da carroceria ouvia vez ou outra a voz humana que falava de desmatamento, de tráfico de madeiras e logo percebi o que havia ocorrido comigo...
Durante séculos pertenci aquela terra de onde fui usurpada. Nomeada pelos povos nativos de Jequitibá, o gigante da floresta, estive sempre acima das demais árvores, observando todos os acontecimentos daquele pedaço de terra, já era frondosa quando o povo estrangeiro aqui chegou e levou os 'pau-brasil', um a um foram ao chão... Não contentes com essa destruição, pouco  a pouco derrubaram outras especies que naquela região viviam... E eu pensava por que teria sido poupada? 
Do alto de minha visão vi o verde perder-se, pouco restou da grande mata que varava o litoral, os estrangeiros multiplicavam-se, os nativos rarearam. Os gigantes que via do alto de minha copa eram cinzas,
não respiravam, não brotavam, não refrescavam... E nunca entendi como foram capazes de trocar a mata por aqueles monstros sem vida.
O caminhão diminui a velocidade, parando em um grande galpão. Ali fui desembarcada e mais uma vez divididas em outros pedaços menores, no entanto se aqueles humanos acreditavam estar destruindo minha alma, enganaram-se pois a alma da natureza não se dissipa. Cada pedaço de madeira vinda de meu tronco levou consigo um pouco de mim. Fomos divididos em diferentes caminhões, cada um caminhava para um destino diferente... Uma parte seguiu para uma fábrica de móveis e ali me tornei belas peças de mobília; outra parte foi enviada para uma madeireira e ali me tornei portas, janelas e vigas para construção; um terceiro carregamento foi entregue a um artista plástico que fez de mim uma obra de arte e a última parte foi destinada a uma fábrica de papel, que em seguida enviou-me para uma editora e virei livro.
Lembram-se quando no início dessa história lhes falei que havia sentido que algo de diferente aconteceria comigo, pois aconteceu fui derrubada, dividida em vários pedaços e vendida para fins diferentes.
Vocês também recordam que eu acreditei que me transformaria em algo especial?
A mãe natureza me reservara uma surpresa... Uma construção!
E saí da madeireira como portas, janelas e vigas para ali ser assentada. Da movelaria em forma de bancos, mesas, mobiliei aquele espaço. O artista plástico trouxe-me bem protegida, virei arte e ali fui exposta.
Meses passaram até o dia da inauguração...
E no momento em que as portas se abriram, senti o vento que circulava pelas janelas, nas vigas alguns pássaros que por ali circulavam resolveram repousar. O povo se achegava lentamente, sentando-se nos bancos, percebi o toque de suas mãos em minha superfície. Seus olhos deslumbrados encantavam-se com a obra de arte diante deles, um Cristo Crucificado, entalhado na madeira e disposto no altar.
Nas mãos de uma criança eu entrei naquele templo e ajuntei-me ao restante de mim, quando o pequeno leitor abriu sua bíblia, o 'gigante da floresta' renasceu e o eterno espírito da natureza, tornara-se mais uma vez completo. Agora eu era parte de um amor supremo, por mim adentravam os que tinham fé, ali se sentavam e caiam de joelhos diante daquele que morreu pela humanidade, sempre atentos a palavra deixada por Ele.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário